A missão de advogar passa também por pensar o ‘look’, como explica a advogada, com a escolha por peças mais formais e não muito justas, que não exponham muito a pele, saias e vestidos que não ultrapassem a linha dos joelhos, e tecidos mais leves. Com toda a preocupação do quê vestir, Irna Verena frisa a necessidade de revisar o conjunto de costumes e formalidades ligados à profissão.
“Acho que a roupa impacta sim no tratamento dos magistrados, servidores, clientes e dos próprios colegas. Acredito que para uma boa parte, o tratamento dispensado é modulado, ainda que inconscientemente, de acordo com a vestimenta. O imaginário popular sobre a advocacia remete automaticamente a um conjunto de costumes e formalidades que, para mim, estão ultrapassados e precisam ser revistos”.
Nessa linha, a advogada alerta para a importância de a OAB promover esse debate de atualização da resolução com as mulheres, sendo consideradas as diversidades de corpos que já estão sujeitos a regras “sejam elas explícitas ou não”.
“Acredito que a OAB deve nos ouvir, entender nossas questões, considerar o histórico evolutivo, respeitar as liberdades já garantidas e, sobretudo, considerar a diversidade, porque o todo não é apenas a soma das partes”.
CALOR
A discussão sobre as alterações também deve abordar outros pontos, como o calor. A onda de altas temperaturas, que tem assolado todo o país desde o ano passado, tem pautado mudanças e novas discussões em vários setores.
Na OAB-BA não está descartada a possibilidade de flexibilização das roupas. No entanto, o presidente da Comissão de Relações Institucionais da Seccional, Adriano Batista, alerta que o debate desta questão se trata de uma linha tênue.
“Certamente vai ter alguma discussão a respeito do calor, de alguma possibilidade de flexibilizar, mas isso aí é uma coisa muito polêmica. Porque tem muitos advogados que defendem a preservação da tradição, por exemplo do uso de gravata. Porque se você também banalizar muito, a profissão perde com isso. O uso da gravata, queira ou não, traz uma respeitabilidade, você percebe isso claramente. Seria muita hipocrisia da minha parte dizer que isso não abre portas”, avalia.
“Quando você retira essa obrigação, flexibiliza muito, você corre o risco de advogado estar usando camisa de malha no fórum. A gente tem que encontrar um meio termo aí para tornar o trabalho menos complicado e também para que as pessoas não se sintam diminuídas”, pondera.
Irna Verena teve um episódio de mal-estar por conta do calor enquanto atuava na comarca de São Francisco do Conde. A queda de pressão foi durante audiência na Vara Cível.
Apesar de defender que “o excesso de formalidade é ultrapassado”, a advogada diz não concordar com a total informalidade ou banalização dos trajes. Porém fala da urgência das regras se adequarem à realidade, como as altas temperaturas.
“Precisamos reconhecer que as questões climáticas não são apenas suposições, são fatos. Não vejo estudos que apontem melhora. Assim, acredito que flexibilizar o uso de roupas menos formais, ou que a sua exigência seja apenas em determinadas circunstâncias, já ajudaria bastante”.
Paralelo às discussões sobre as roupas, Verena comenta da falta de estrutura das unidades judiciais para atender à demanda de advogados, cidadãos e até mesmo servidores. “Eu sempre carrego água comigo, mas percebo que em algumas instalações não há água nem ventilação mecânica, então acho que esse cuidado também poderia contribuir. Aqui em em São Francisco do Conde, comarca onde atuo, por exemplo, não existe uma sala da OAB”.
Além do calor, a proposta deverá incluir aspectos religiosos, especialmente as religiões de matrizes africanas que envolvem, muitas vezes, uso de turbantes, batas e contas.
CÓDIGO DAS INSTITUIÇÕES E CÓDIGO DA OAB
Há um ponto de conflito nessa discussão, independentemente do gênero. Isso porque o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) e demais Cortes têm as suas próprias regras de trajes para magistrados, advogados e cidadãos transitarem pelos corredores das sedes dos tribunais e demais unidades judiciais. Do outro lado, há a resolução da OAB-BA. O Estatuto da Advocacia estabelece que cabe ao Conselho Seccional determinar, com exclusividade, os critérios para o traje da advocacia no exercício profissional.
“A repartição pública, o Tribunal de Justiça, a Assembleia Legislativa, até mesmo instituições privadas, uma igreja... Então, por exemplo, o tribunal diz que você não pode entrar de bermuda. Você pode entrar no tribunal de camisa de malha e calça, e de tênis, por exemplo, mas a OAB diz que essa roupa não é uma roupa para você ir despachar com o magistrado”, fala Adriano Batista.
“Eu posso ir agora no fórum, como uma pessoa física, com uma camisa de malha, tênis, calça jeans. Eu entro, ninguém vai me impedir de entrar, mas a OAB não permite que eu exerça a minha função de advogado com essa roupa. Eu não posso fazer audiência com essa, não posso sequer despachar com o advogado com essa roupa”, detalha. “Então existe uma diferença entre aquilo que é permitido entrar no fórum e aquilo que o advogado e advogada podem usar para exercer a função”, acrescenta.
Neste ponto, o advogado levanta outra questão e críticas. Apesar das regras estabelecidas pelos tribunais, Batista defende que não cabe aos juízes e desembargadores impedirem advogados sem gravata ou “até mesmo de roupa de malha” de fazerem uma audiência.
“Se eu estou com uma roupa que o fórum permite que eu entre, não cabe ao magistrado dizer que não vai poder fazer uma audiência por causa da roupa. Quem tem que dizer isso é a OAB, é a OAB que regula como o advogado se veste para exercer a função e se fere essa disciplina, vai responder a processo interno da OAB”.
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